Caldeiras de biomassa

  1. Paradigma atual

Com a crescente preocupação com os impactos ambientais provenientes da atividade industrial, associados ao uso massivo de combustíveis fósseis, como gás natural, carvão, petróleo entre outros, na geração de energia, é imperativo modificar e adotar novas práticas que satisfaçam as necessidades das empresas em relação ao uso de utilidades.[1]

A energia térmica desempenha um papel essencial na indústria, em particular na indústria química. É possível salientar a sua utilização na indústria papeleira, alimentar, têxtil, plásticos e borracha, entre outras. A energia térmica corresponde à energia interna de um sistema e está intrinsecamente relacionada com o movimento das suas partículas, átomos e moléculas. Encontra-se diretamente associada à temperatura e ao calor transferido, devido a gradientes de temperatura. À medida que a agitação aumenta, ocorre a geração de uma maior quantidade de energia térmica. Na indústria, verifica-se no vapor que é gerado e utilizado em diversas operações, tal como no aquecimento de fluidos e nos processos de combustão.

Como tal, é necessário adotar práticas e modificar modos de operação que ajudem a mitigar os efeitos negativos associados a práticas pouco sustentáveis, que não contribuam para o aquecimento global e para o aumento do número de emissões de gases com efeitos de estufa, e que sejam economicamente viáveis.[2]

Deste modo, as caldeiras de biomassa representam uma solução eficiente para atender à necessidade energética exigida pelas diversas indústrias, enquanto reduz a geração de resíduos orgânicos e incentiva a práticas de economia circular. Para além disso, a adoção deste tipo de equipamentos nos complexos industriais fortalece o compromisso das entidades com as metas estabelecidas no Acordo de Paris para pôr em prática a transformação da matriz energética global, bem como com o alcance da neutralidade carbónica até 2050.[3]

Define-se caldeira de biomassa como um equipamento térmico projetado especificamente para a geração de vapor ou fornecimento de água quente, através da combustão de matérias orgânicos renováveis. A biomassa é considerada uma fonte de energia de baixo carbono, pois o dióxido de carbono libertado durante a combustão é compensado através daquele que é absorvido pelas plantas durante o seu ciclo de vida. Diversas indústrias têm vindo a adotar o uso de resíduos dos processos de produção para alimentar as próprias caldeiras de biomassa, aproveitando os subprodutos do processo para gerar energia térmica.[4]

A nível industrial, muitas empresas têm vindo a substituir as caldeiras tradicionais por caldeiras utilizadoras de biomassa, isto é, um combustível proveniente de matéria orgânica, sendo a maior parcela correspondente a madeira. Em Portugal, são recolhidos como resíduos, aproximadamente 40000 ton de madeira que são enviadas para aterro, o que permite a sua valorização como biocombustível, reduzindo a pressão relativa à capacidade dos aterros. Para além da sua direta aplicação nas diversas indústrias, as caldeiras de biomassa também são comummente utilizadas em aquecimento domiciliar, sistemas de aquecimento central, hospitais, hotéis e instalações agrícolas, verificando-se uma alternativa sustentável e eficiente para a geração de calor. Assim, através do presente trabalho pretende-se explorar o uso de caldeiras de biomassa para satisfazer as necessidades de utilidades provenientes de energia térmica.

  1. Caldeiras de biomassa

2.1. Constituição e Funcionamento

As caldeiras de biomassa possuem uma constituição muito similar às caldeiras conventuais, podendo ser classificadas de acordo com o tipo de combustível que admitem e o tipo de tecnologia utilizado, pontos abordados mais à frente.[5]

O seu funcionamento baseia-se na combustão de matéria orgânica, resultando calor para diferentes aplicações. Normalmente, são caldeiras substancialmente maiores do que as caldeiras à base de combustíveis fósseis, já que o biocombustível necessita de uma câmara maior relativamente ao gás. Os diferentes tipos de combustíveis podem alimentar câmara de combustão de forma automática, semiautomática ou à mão. Para comodidade, a instalação de um alimentador automático irá também necessitar de mais espaço para equipamento, mas que permite armazenar grandes quantidades de biocombustível, que requere um grande período sem reabastecimento de combustível. Os maiores fatores positivos são precisamente a facilidade de uso e a sua simplicidade.[6]

Dependendo do tipo de caldeira (aquatubular ou flamotubular), a água ou produtos de combustão produzidos pelo processo dirigem-se para um permutador de calor, que permite o aquecimento de águas, e eventualmente possuem também um sistema de cogeração para produção de eletricidade.

Por outro lado, a caldeira deve ser limpa de modo a retirar as cinzas, sendo depositadas nos solos como fertilizante, contribuindo novamente para o ciclo sustentável deste tipo de caldeiras.

Figura 1. Funcionamento de uma Caldeira de Biomassa com cogeração.[6]

2.2 Combustível/Biomassa (formas de obtenção e tipos de biomassa)

Todas as biomassas são fontes de calor renováveis, e o seu uso ajudo na redução do impacto ambiental. Dentro destas, há vários tipos de biocombustíveis disponíveis, com diferentes custos, densidades e conteúdo de mistura, sendo que se dividem essencialmente dois grupos principais, a biomassa a partir da madeira e a biomassa que não é baseada na madeira.[7]

Na primeira, as fontes de madeira utilizadas são desperdícios de unidades industriais, provenientes da limpeza de florestas, e madeira proveniente de resíduos urbanos, dividindo-se em 3 subgrupos, sendo estes:

Aparas de madeira – São a biomassa mais barata, adequada para unidades de media-grande escala, com alimentação automática ou semiautomática. Estas aparas se forem uniformes podem ser utilizadas em sistemas mais pequenos, contudo o custo das aparas uniformes é mais elevado;

Figura 2. Aparas de madeira.[7]

Pellets – São ligeiramente mais caras que a biomassa anterior, sendo obtidas pelo desperdício e excesso de material da indústria da madeira. São a biomassa mais densa e, por isso, a mais eficiente e compacta, tornando-se na mais frequentemente utilizada. Como possuem uma distribuição uniforme, são adequadas para todos os sistemas de caldeiras de biomassa. Contudo, nas unidades de maior dimensão pode acarretar problemas devido à poeira associada a esta biomassa;

Figura 3. Pellets.[7]

Toros de madeira – Adequados se tiver disponibilidade de grandes quantidades de madeira e espaço suficiente para armazená-los. A sua compra é dispendiosa, e a humidade presente nestes necessita que ocorra uma secagem prévia que pode chegar a 1 ano. Dado isto, é a biomassa menos utilizada em caldeiras;

Figura 4. Toros de madeira.[7]

Biomassa não proveniente da madeira – Esta biomassa tem um leque de disponibilidade extenso, integrando toda a matéria orgânica, como resíduos agrícolas (e.g. palha e trigo), resíduos animais, matéria orgânica presente nos resíduos urbanos e também desperdícios de indústrias como a polpa do papel. Dado isto, o seu custo varia muito do tipo de biomassa, disponibilidade e localização.[8] [9]

Figura 5. Biomassa não proveniente de madeira*

2.3. Aplicações

As aplicações das caldeiras de biomassa são das mais variadas, desde o consumo doméstico para aquecimento de águas sanitárias até ao uso industrial para aquecimento de águas e/ou geração de energia (é possível implementar um processo de cogeração). Algumas das aplicações multissetoriais em processos de elevado consumo de energia térmica são:[10]

  • Indústrias alimentares e biotecnológicas;
  • Infraestruturas desportivas;
  • Saúde e Bem-Estar;
  • Processos Industriais;
  • Hotéis, Spas e Resorts;
  • Estufas, Aviários e Aquacultura;
  • Hospitais, Clínicas e Centros de Reabilitação;
  • Processos de secagem e de tratamento térmico;
  • Escolas, Universidades, Centros de Investigação, Edifícios Administrativos.

2.3.1 Tipos de caldeiras a biomassa mais comuns[11]

Existe alguns tipos de caldeiras que usam este combustível, sendo que cada uma delas atende a uma panóplia de necessidades diferentes das demais, sendo que a escolha depende de certas restrições, que vão desde a quantidade de energia térmica ou elétrica que é necessário gerar até ao espaço físico necessário para que se proceda à instalação do equipamento. Os principais tipos de caldeiras de biomassa industriais usadas são:

2.3.1.1. Caldeira flamotubular a biomassa[11]

Neste tipo de caldeira, os gases circulam dentro de tubos até ao interior da caldeira, levando ao aquecimento da água que circula no exterior dos mesmos.

Dependendo da posição dos tubos no equipamento, este último pode ser encontrado na posição horizontal ou vertical, sendo mais compactas e com processo mais simples, indicado para instalações mais pequenas e que necessitam de gerar menos energia.

As vantagens deste tipo de caldeiras são:

  • Ideais para processos cuja necessidade de pressão e de temperatura são menores;
  • Podem fazer uso de uma grande variedade de formas de biomassa como combustível (madeira, serradura, resíduos agrícolas, etc);
  • Apresentam um ótimo custo-benefício, com custos de investimento, utilização e manutenção acessíveis;
  • Os modelos mais modernos deste tipo de caldeiras apresentam alta eficiência na queima de materiais em suspensão e com maior humidade (por exemplo, lamas).

2.3.1.2 Caldeira aquatubular a biomassa[11]

Diferente das caldeiras anteriormente mencionadas, as caldeiras aquatubulares apresentam água no interior dos tubos, que será aquecida pelos gases de combustão no exterior.

Este tipo de caldeira é mais usado em projetos industriais modernos, como as centrais termoelétricas, onde ocorre a produção de grandes quantidades de vapor, sempre a elevada pressão e temperatura.

São equipamentos de construção mais complexa e que exigem um tratamento de águas mais específico, necessitando de um grau de engenharia superior no seu planeamento.

As vantagens das caldeiras aquatubulures de biomassa que estimulam a sua adoção pelas indústrias são:

  • Capacidade de produção de elevados volumes de vapor sob alta pressão;
  • Capacidade em suportar e gerar altas temperaturas;
  • Possibilidade em ser alimentada por uma grande variedade de biomassa, inclusive as que apresentam baixo poder calorífico e dificuldades de queima;
  • Limpeza simples da tubagem, podendo ser realizada de forma automática em caldeiras mais modernas;
  • Maior durabilidade, visto que o tempo de vida de uma caldeira aquatubular moderna a biomassa pode facilmente chegar a 30 anos, desde que haja boa manutenção.
  1. Vantagens

Optando pelo uso de uma caldeira a biomassa, uma vez que a capacidade de geração de vapor é a mesma em comparação com outras de caldeiras que consomem outros tipos de combustíveis, podem-se enumerar as seguintes vantagens do uso das caldeiras de biomassa:[10] [12]

  • É uma energia renovável;
  • É pouco poluente, não emitindo dióxido de carbono (de acordo com o ciclo natural de carbono neutro);
  • É altamente fiável e a resposta às variações de procura é elevada;
  • A biomassa sólida é extremamente barata, sendo as suas cinzas menos agressivas para o ambiente;
  • Verifica-se uma menor corrosão dos equipamentos (caldeiras, fornos, etc);
  • Promove o desenvolvimento rural, a criação de emprego e a economia local/regional;
  • Diminui o risco de incêndio florestal, proliferação de pragas e doenças e de acessibilidade ao interior dos espaços florestais.

O uso da biomassa, além de renovável e uma opção de baixo carbono, é também significado de economia, havendo estudos que mostram que são necessários apenas 2 kg de pellets de madeira para produzir a mesma energia térmica de 1 litro de gasóleo, com um custo bastante inferior.[11]

  1. Desvantagens

No entanto, há também a considerar algumas desvantagens inerentes à utilização de biomassa como combustível em caldeiras:[12]

  • Desflorestação e a consequente destruição de habitats;
  • Possui um menor poder calorífico quando comparado com outros combustíveis;
  • Os biocombustíveis líquidos contribuem para a formação de chuvas ácidas;
  • Dificuldades no transporte e no armazenamento de biomassa sólida.
  1. Custos

O custo de qualquer caldeira dependerá de vários fatores como, por exemplo: o tipo de combustível que usa, a potência gerada/necessária, o rendimento da instalação e se se pretende produzir energia elétrica e/ou térmica.

Assim é possível encontrar diferentes preços para os mais variados tipos de caldeira de biomassa, podendo os mesmos situarem-se entre os 200€ (caldeiras de biomassa para fins domésticos) até aos 30 000€ (caldeira de biomassa industrial), sendo possível chegar a preços superiores em casos especiais, como caldeiras feitas por encomenda.

Pode-se, então, afirmar que as caldeiras supracitadas têm um preço relativamente inferior, ou aproximadamente igual, aos outros tipos de caldeira, sendo mais ecológicas e económicas, e com potências geradas aproximadas dos restantes tipos de caldeiras já existentes. Estes fatores são a base da recorrente mudança das caldeiras que operam com outros tipos de combustíveis em unidades industriais, para caldeiras de biomassa.[13]

  1. Casos de Uso em Portugal

O sistema de Caldeira e Biomassa é já utilizado em Portugal em empresas de grande renome e dimensões, como é o caso da The Navigator Company. Esta empresa utiliza uma caldeira de biomassa para geração de vapor para processos industriais e cogeração de eletricidade, através da queima do licor negro (subproduto da celulose) e de resíduos de madeira e cascas, resultantes dos processos de produção de papel. A caldeira utilizada pela The Navigator Company é de leito fluidizado circulante.[14]

Como discutido anteriormente, a instalação desta caldeira resulta em benefícios para a empresa, como é o caso da redução de emissões de CO2, redução dos custos de eletricidade e o reaproveitamento dos subprodutos industriais, tornando o processo mais sustentável.

A instalação e operação de caldeiras de biomassa em Portugal devem seguir diversas regulamentações ambientais, de segurança e eficiência energética, como é caso do Decreto-Lei nº 39/2018 que aborda o regime de emissões industriais, o Decreto-Lei nº 178/2006 que rege a gestão de resíduos e o Decreto-Lei nº 105/2010 sobre segurança na instalação e operação de equipamentos sob pressão. Para além disto, os licenciamentos e fiscalização ficam a cargo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT). [15] [16] [17]

  1. Conclusões

As caldeiras de biomassa apresentam-se como uma alternativa válida às caldeiras convencionais que usam combustíveis e outras fontes de energias não renováveis, uma vez que o combustível usado neste tipo de equipamentos é barato, renovável e igualmente eficiente, perspetivando-se cada vez mais investigação e desenvolvimento deste tipo de instalações, bem como o seu uso em detrimento das alternativas atuais, menos sustentáveis financeira e ecologicamente.

Referências

[1] - Electric Summit. Das fontes fósseis às energias renováveis. Disponível em: https://electricsummit.negocios.pt/transicao-energetica/das-fontes-fosseis-as-energias-renovaveis/.

[2] - GoldEnergy. Energia térmica. Disponível em: https://goldenergy.pt/glossario/energia-termica/.

[3] - Parlamento Europeu. Como a UE poderá atingir a neutralidade carbónica até 2050. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/topics/pt/article/20190926STO62270/como-a-ue-podera-atingir-a-neutralidade-carbonica-ate-2050.

[4] - FeelWarm. Caldeiras a termofluido e vapor. Disponível em: https://www.feelwarm.pt/caldeiras-a-termofluido-e-vapor/.

[5] https://www.agreeneralternative.co.uk/what-is-a-biomass-boiler/

[6] https://expobiomasa.com/en/content/How-a-biomass-boiler-works

[7] https://www.renewableenergyhub.co.uk/main/biomass-boiler-information/fuel-types-for- biomass-boilers/

[8] Saidur R., Abdelazz E., Demirbas A., Hossain M., Mekhilef S. (2011). Renewable and Sustainable Energy Reviews. A review on biomass as a fuel for boilers, Volume 15: 2262-2289

[9] (https://www.agreeneralternative.co.uk/what-is-a-biomass-boiler/)

[10] (http://www.sciven.com/views/caldeiras.html/)

[11] (https://blog.coontrol.com.br/caldeiras-a-biomassa-existentes-no-mercado/)

[12] (https://www.portal-energia.com/vantagens-e-desvantagens-da-energia-biomassa/)

[13] (https://www.google.com/search?q=caldeiras+de+biomassa+pre%C3%A7o&rlz=1C1CHBD_pt-PTPT891PT891&sxsrf=ALeKk02uFG1sVJF8wCecQpCwYMrUlaZCqQ:1614334848512&source=lnms&tbm=shop&sa=X&ved=2ahUKEwjaoMb5qYfvAhULhlwKHUdUDlAQ_AUoAnoECAcQBA&biw=1536&bih=722)

[14] - The Navigator Company. Sustentabilidade e energia. Disponível em: (https://thenavigatorcompany.com/sustentabilidade/energia/)

[15] - Portugal. Decreto-Lei nº 39/2018. Disponível em: (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/39-2018-115487878)

[16] - Portugal. Decreto-Lei nº 178/2006. Disponível em: (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/178-2006-540016)

[17] - Portugal. Decreto-Lei nº 105/2010. Disponível em: (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/105-2010-342797)

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